terça-feira, 24 de dezembro de 2019

Dois Papas, na Netflix: uma ficção bem humorada, mas que pouca revela

Dois protagonistas com personalidades opostas em geral dão grandes histórias. Além das ficções, temos diversos filmes inspirados em fatos reais que mostram desde rivalidades entre profissionais do mesmo ramo, artistas, esportistas até os clássicos "polícia e bandido" que Hollywood cansou de explorar.

Quem vê mesmo por cima o noticiário sabe que as figuras dos Papas Bento XVI e Francisco são absolutamente distintas. O primeiro, notório conservador que foi responsável, à frente da Congregação para a Doutrina e Fé, poderosa congregação da Cúria Romana, pela quase extinção dos movimentos progressistas de base da Igreja Católica, em especial na América Latina dos anos 1970 e 1980, quando a Teologia da Libertação era forte em diversos países da região. Nem como cardeal, tampouco como pontífice, foi uma pessoa extrovertida ou popular, sendo bem mais discreto que seu antecessor, João Paulo II, de quem foi fiel escudeiro.

Do outro lado, alguém que se mostra avesso à ostentação da Igreja, com postura mais simples e facilidade para o diálogo. E, ao contrário de  Bento XVI, aberto a mudanças (ao menos do ponto de vista discursivo) em relação a temas sensíveis para o Vaticano, como a união homossexual e a desigualdade de gênero. Sua eleição se dá ainda em um momento de crescimento da onda conservadora no campo político, o que realça ainda mais o seu discurso.




O filme Dois Papas traz essas contradições entre os dois a partir de um encontro (fictício) ocorrido quando o então cardeal argentino Jorge Bergoglio encaminha ao Papa e ex-cardeal Joseph Ratzinger uma carta de renúncia. O pontífice o convida para ir à sua residência de verão e do encontro entre os dois surge uma interação e uma sinergia improváveis dadas as diferenças entre ambos e seu estranhamento inicial.

(A partir daqui, alguns spoilers)

O filme de Fernando Meirelles tem como mérito fugir ao senso comum da visão sobre ambos os personagens. Humaniza as duas figuras, trazendo um Bento XVI que, mesmo rígido e introvertido no que diz respeito às questões dogmáticas da religião, consegue se abrir para o colega, sendo ainda uma pessoa sensível à música e à arte (ele de fato é pianista). Por outro lado, também é destacado pelo lado do Papa Francisco a sua atuação, como presidente da ordem dos jesuítas na Argentina, durante a ditadura militar no país, quando dois membros de sua organização foram presos pelo regime. O fato é real e Bergoglio já demonstrou em entrevistas arrependimento por não ter tido uma postura assertiva contra o atuoritarismo à época.

A narrativa também ganha força com imagens reais e algumas feitas como se assim fossem, mas o roteiro peca com diálogos esquemáticos e que não fluem naturalmente. Exemplo disso é a conversa inicial logo que o cardeal Bergoglio chega à residência papal, quando é inquirido por Ratzinger. Ali, aparecem os temas que seriam de maior divergência entre os dois quase que enumerados, com Bento XVI deixando sempre a palavra final para o cardeal. Não há nenhum nível de debate de fato e a cena é salva pela interpretação primorosa de Anthony Hopkins e Jontahan Pryce.

Outro ponto baixo nesse aspecto é a cena em que Bergoglio descreve sua vivência no regime militar argentino. Por vezes, quem faz a narração é o próprio Bento XVI. Por mais que se coloque ali que o pontífice leu a "ficha" do argentino, as intervenções são artificiais e contrastam com o sentimento do próprio diálogo em que eles estariam se abrindo um ao outro.

Ao buscar um ponto de vista que tivesse como primazia a relação interpessoal, o filme deixa, provavelmente por opção, de se aprofundar nas relações de cunho eclesiais e políticas, o que também empobrece a narrativa, dado todo o pano de fundo em que se desenrolou a renúncia de um papa, algo que não acontecia há mais de 700 anos. Isso, aliado ao fato de os dois protagonistas serem mostrados como figuras que desejam o mesmo, o "bem da Igreja", por vias distintas, sugere uma visão um tanto simplista de um episódio histórico.

Com humor, o filme Dois Papas é agradável de se ver, mas, ao não se arriscar a entender as contradições reais representadas pelo quase ineditismo de a Igreja ter hoje dois pontífices, se limita à condição de um bom passatempo.




Dois Papas (Two Popes, 2019)
Direção: Fernando Meirelles
Elenco: Anthony Hopkins, Jonathan Pryce, Juan Minujín
Nacionalidade: Reino Unido, Itália, Argentina, EUA
Duração: 2h05
Cotação: 6/10

Um comentário:




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