sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Pranto maldito: terror colombiano explora lenda local. E não convence

Não é muito comum nos serviços de streaming do Brasil termos acesso a filmes produzidos na Colômbia, ainda mais de terror. Por isso, mas não só, Pranto maldito (Llanto maldito) atrai a atenção de quem olha o catálogo da HBO Max. O trailer promete uma história tensa, um ambiente sombrio e um horror que se inspira mais no clima e na história do que em efeitos especiais.

O "pranto" do título se refere na verdade a uma lenda comum em muitos países latino-americanos e que na Colômbia se conhece por Tarumama. As histórias giram em torno do espírito de uma mulher que, conforme a versão, ou teria ensandecido e afogado os próprios filhos ou teria dado à luz e, exausta pelo parto, deixado o rio levar seu filho. É esta alma perturbada que vai interferir na vida de Sara e Óscar, e de seus dois filhos, Alicia e Tomás. 

O casal urbano resolve alugar um chalé em um lugar afastado para tentar reatar laços e manter seu casamento, após a experiência traumática de Sara, que teve um filho natimorto. Quando são apresentados pela responsável ao local em que vão ficar, ficam sabendo que os donos do imóvel também tiveram um filho, ainda criança, morto em um acidente em um rio próximo. 

(Aliás, algo bastante normal um chalé que tem fotos da família dos donos na parede e a pessoa que o aluga contar voluntariamente que o filho dos proprietários morreu nas proximidades...)

A história segue mostrando os conflitos do casal e o sofrimento dos filhos com as desavenças dos pais, roteiro que, sem nenhuma ação sobrenatural, afeta infelizmente famílias ao redor do mundo. Não bastasse isso, os integrantes do clã, um a um, começam a ver uma mulher que chora durante a noite.

Neste ponto, os problemas da família se agravam. E os do filme também.


Spoilers daqui em diante



Aos poucos, a situação vai perdendo a verossimilhança não por conta da interferência espiritual, mas sim pela própria reação dos personagens. Obviamente que todo filme de terror precisa de um comportamento algo anormal, descuidado ou cético de algum ou alguns personagens para que haja a tensão e, enfim, o tal horror. Mas a resistência do pai em sair dali após o desconforto geral da família é algo que beira o inacreditável, inclusive diante daquilo que já se conhece de Óscar até então, que não tem um perfil exatamente irrascível, ainda mais com os filhos.

São diversos clichês em sequência, com uma nítida dificuldade na interação entre os personagens e a própria fluidez da história. A certa altura, o espectador é brindado com, talvez, a única referência (fora a lenda, que não é explicitada ou citada no filme) à Colômbia: o sancocho, prato típico também de outros países. E a cena em que a família é convidada para degustar tal cozido é quase deslocada dentro do roteiro, fazendo pouco sentido na trama.

Além disso, na única vez em que aparece o tal rio, o que poderia ser um elemento relevante na composição da história, trata-se de um pequeno riacho sem profundidade, cujo grande perigo são algumas pedras em que se pode escorregar. Trivial e nem um pouco assustador.

O filme é tecnicamente bem feito, com uma fotografia que consegue dar uma atmosfera sombria à trama. Ainda assim, poderia facilmente ser uma película confundida com alguma produção estadunidense. Esta falta de identidade, além da ausência de originalidade, poderia ser compensadas com um ritmo que prendesse o espectador, o que não ocorre.

Se não chega a ser um desastre, Pranto maldito entrega bem menos do que poderia, ainda mais explorando um contexto que, pelo drama em si, já possui sua própria carga de horror. 


Pranto maldito (Llanto maldito)


Direção: Andres Beltran

Elenco: Paula Castaño, Andres Londono, Carolina Ribón, Alanna De La Rossa e Jerónimo Barón

Nacionalidade: Colômbia


Leia também:

O que ficou para trás (His House), na Netflix: quando a realidade é o verdadeiro horror


Cobra Kai na Netflix: sucesso que se justifica


Bingo Hell: filme parte de premissa boa, mas se perde no meio


sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Bingo Hell: filme parte de premissa boa, mas se perde no meio

A especulação imobiliária a a gentrificação, que expulsa moradores de uma determinada área para abrigar pessoas com maior poder aquisitivo, têm sido temas constantes de obras tão distintas como as séries Billions e Unbreakable Kimmy Schmidt, chegando até filmes como o brasileiro Aquarius, de Kleber Mendonça Filho. É uma questão árida, muitas vezes ignorada por parte da mídia (que recebe polpudos recurso vindos da publicidade do setor imobiliário), mas que, de fato, aterroriza diversas pessoas que se veem impotentes, muitas vezes de uma hora para outra, diante do poder econômico. Adequado para um filme de terror, como Bingo Hell.

Quando a sanha especulativa atinge classe mais abastadas, como moradores do bairro de Pinheiros, em São Paulo, as vozes conseguem até ser ouvidas. Em geral isso não acontece. é o caso da pequena cidade de Oak Springs, que sofre com a gentrificação e a chegada de novos e abastados moradores. Mas há resistência de alguns, encarnada em Lupita (Adriana Barraza), que tenta, junto com outras pessoas que residem há décadas no local, ainda manter o espírito de comunidade e permanecer ali.


O salão de bingo (bingo hall, daí o trocadilho do título) é não só o local de encontro dos resistentes, mas também onde se articulam os laços de solidariedade e ajuda. O cenário, contudo, começa a mudar quando Mario (David Jensen), o dono do imóvel desaparece e no lugar do tradicional salão é aberto um outro bingo, com intenções e ambições bem distintas.

Embora haja uma morte logo no início do filme, até a primeira sessão do novo bingo o filme é marcado pelo humor. Estamos falando de uma heroína improvável para um filme do gênero, o que poderia ser uma vantagem. A interação entre os atores também flui bem até o momento crucial da estreia do chamado Mr. Big.

A metáfora se perde em Bingo Hell (contém spoilers)

Mr. Big é o nome da nova casa de entretenimento, como é também a alcunha do personagem que se apresenta como seu dono. A metáfora não é sutil: ele seria a própria encarnação do mal, representando no caso o poder da sedução do dinheiro. Os vencedores do bingo em sua casa receberiam o devido castigo.

E aí o o problema aparece. Os personagens cedem ao seu "desejo" por mais dinheiro, mas desconsidera-se totalmente o contexto de cada uma. Necessidades econômicas de quem tem pouco ou quase nada e frustrações por diversos motivos são igualados na esteira do que seria uma "fraqueza" de cada um que caiu. Desenha-se um problema de ordem moral para cada um, quando se trata de uma questão estrutural.

Em outros filmes, como os citados acima, e na própria vida real testemunhada por pessoas que estão envoltas em episódios nos quais ousam contrariar interesses da indústria imobiliária, a receita do terror se faz com ameaças diretas e indiretas, chantagens e violência psicológica e até física. Em Bingo Hell, a história sugere que se trata de uma questão do personagem não ceder à cobiça, quando o buraco é mais embaixo.

Além disso, o filme desrespeita algo básico em qualquer filme de terror. O vilão, seja ele humano, inumano, espírito, alienígena etc, tem métodos para agir. Muitas vezes a a graça do filme é descobrir a tática e a estratégia para então saber como derrotá-lo. O Mr. Big age de forma quase aleatória, não se sabe o quão carnal é. E a solução para eliminá-lo é pueril demais para um ser sobrenatural. Ele não é exatamente um "material boy" (perdão, Madonna) para ter o fim que teve...

Se não for levado nem um pouco a série, Bingo Hell ainda pode fazer rir com o bom elenco que tem. Mas assista com expectativa baixa.

Bingo Hell (2021)

Direção: Gigi Saul Guerrero

Elenco: Adriana Barraza, L. Scott Caldwell, Joshua Caleb Johnson, Richard Brake

Duração: 1h25

Nacionalidade: Estados Unidos

Disponível no Amazon Prime Video


Leia também:

O que ficou para trás (His House), na Netflix: quando a realidade é o verdadeiro horror


Cobra Kai na Netflix: sucesso que se justifica


2020 Nunca Mais: falso documentário traz retrospectiva de um ano surreal