sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Bingo Hell: filme parte de premissa boa, mas se perde no meio

A especulação imobiliária a a gentrificação, que expulsa moradores de uma determinada área para abrigar pessoas com maior poder aquisitivo, têm sido temas constantes de obras tão distintas como as séries Billions e Unbreakable Kimmy Schmidt, chegando até filmes como o brasileiro Aquarius, de Kleber Mendonça Filho. É uma questão árida, muitas vezes ignorada por parte da mídia (que recebe polpudos recurso vindos da publicidade do setor imobiliário), mas que, de fato, aterroriza diversas pessoas que se veem impotentes, muitas vezes de uma hora para outra, diante do poder econômico. Adequado para um filme de terror, como Bingo Hell.

Quando a sanha especulativa atinge classe mais abastadas, como moradores do bairro de Pinheiros, em São Paulo, as vozes conseguem até ser ouvidas. Em geral isso não acontece. é o caso da pequena cidade de Oak Springs, que sofre com a gentrificação e a chegada de novos e abastados moradores. Mas há resistência de alguns, encarnada em Lupita (Adriana Barraza), que tenta, junto com outras pessoas que residem há décadas no local, ainda manter o espírito de comunidade e permanecer ali.


O salão de bingo (bingo hall, daí o trocadilho do título) é não só o local de encontro dos resistentes, mas também onde se articulam os laços de solidariedade e ajuda. O cenário, contudo, começa a mudar quando Mario (David Jensen), o dono do imóvel desaparece e no lugar do tradicional salão é aberto um outro bingo, com intenções e ambições bem distintas.

Embora haja uma morte logo no início do filme, até a primeira sessão do novo bingo o filme é marcado pelo humor. Estamos falando de uma heroína improvável para um filme do gênero, o que poderia ser uma vantagem. A interação entre os atores também flui bem até o momento crucial da estreia do chamado Mr. Big.

A metáfora se perde em Bingo Hell (contém spoilers)

Mr. Big é o nome da nova casa de entretenimento, como é também a alcunha do personagem que se apresenta como seu dono. A metáfora não é sutil: ele seria a própria encarnação do mal, representando no caso o poder da sedução do dinheiro. Os vencedores do bingo em sua casa receberiam o devido castigo.

E aí o o problema aparece. Os personagens cedem ao seu "desejo" por mais dinheiro, mas desconsidera-se totalmente o contexto de cada uma. Necessidades econômicas de quem tem pouco ou quase nada e frustrações por diversos motivos são igualados na esteira do que seria uma "fraqueza" de cada um que caiu. Desenha-se um problema de ordem moral para cada um, quando se trata de uma questão estrutural.

Em outros filmes, como os citados acima, e na própria vida real testemunhada por pessoas que estão envoltas em episódios nos quais ousam contrariar interesses da indústria imobiliária, a receita do terror se faz com ameaças diretas e indiretas, chantagens e violência psicológica e até física. Em Bingo Hell, a história sugere que se trata de uma questão do personagem não ceder à cobiça, quando o buraco é mais embaixo.

Além disso, o filme desrespeita algo básico em qualquer filme de terror. O vilão, seja ele humano, inumano, espírito, alienígena etc, tem métodos para agir. Muitas vezes a a graça do filme é descobrir a tática e a estratégia para então saber como derrotá-lo. O Mr. Big age de forma quase aleatória, não se sabe o quão carnal é. E a solução para eliminá-lo é pueril demais para um ser sobrenatural. Ele não é exatamente um "material boy" (perdão, Madonna) para ter o fim que teve...

Se não for levado nem um pouco a série, Bingo Hell ainda pode fazer rir com o bom elenco que tem. Mas assista com expectativa baixa.

Bingo Hell (2021)

Direção: Gigi Saul Guerrero

Elenco: Adriana Barraza, L. Scott Caldwell, Joshua Caleb Johnson, Richard Brake

Duração: 1h25

Nacionalidade: Estados Unidos

Disponível no Amazon Prime Video


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