sexta-feira, 28 de agosto de 2020

O que os homens falam (Una pistola en cada mano) - a masculinidade desnuda

Embora seja centrado em oito personagens masculinos que estão próximos à chamada meia-idade, o filme espanhol O que os homens falam (Una pistola em cada mano), dirigido pelo catalão Cesc Gay, retrata inseguranças, vícios e comportamentos que caracterizam muitas vezes os homens de uma forma geral, e não apenas aqueles que estão nessa faixa etária.

filme espanhol O que os homens falam, na Amazon
Cena do filme O que os homens falam


São cinco histórias contadas com um humor ácido, mas não caricatural, impressão reforçada pelo bom elenco que sustenta o filme. Provavelmente muitos homens vão se identificar (às vezes de forma envergonhada) com os sentimentos e situações e as mulheres também vão ver ali características de pessoas conhecidas, moldadas em maior ou menor grau pela lógica do patriarcado. Que as prejudica e oprime, mas que também faz com que os homens busquem sempre os lugares que parecem a eles como pré-definidos.

Assim, em quase todas as histórias paira o embotamento emocional, a dificuldade de se expressar o que se sente ou mesmo aquilo que se quer. Só quando existe a interação com mulheres (no sentido de "conquistá-las"), ocasião em que em tese estariam exercendo seu papel, se sentem menos contidos. Contudo, as reações das personagens femininas os traz para uma nova realidade.

Esse é um dos eixos do filme. Assim como a meia idade é uma espécie de transição, o entendimento da figura masculina em uma sociedade na qual o empoderamento feminino aparece a muitos não como uma condição fundamental para uma sociedade mais igualitária, e sim como ameaça, faz com que os personagens demorem a se situar nessa nova ordem. Isso se reflete na história em que um homem tenta reatar com sua ex-mulher e também no episódio em que o funcionário de uma empresa tenta sair com uma colega de trabalho. Este último, aliás, talvez seja o mais irregular do filme, por conta da obviedade e do excessivo didatismo que destoa do restante.

O episódio em que o personagem de Ricardo Darín, que sofre por sua esposa ter um amante, tem um encontro fortuito com um homem (Luis Tosar) em um parque talvez seja o mais representativo do problema da empatia e da dificuldade em se lidar com a masculinidade da forma como a sociedade espera. Os diálogos são ricos e a tensão/expectativa que se tem ao assistir remete ao primeiro episódio, também um encontro entre dois velhos conhecidos, mas em outro contexto.



O último episódio tem dois casais que vão a uma festa e os parceiros, trocados, se encontram casualmente. De novo se evidenciam os limites da comunicação por parte dos homens e o quão difícil é enfrentar questões relativas ao estereótipo do "macho".

A composição do filme e mesmo a transição dos episódios até chegar ao final é delicada e bem trabalhada por Cesc Gay e o resultado é um filme que consegue ser incômodo aos homens (que bom, pois é isso que se espera), estimulando a reflexão sobre a necessidade de se elaborar novos tipos de identidades e relações. As interpretações chamam a atenção, até por conta da evocação à teatralidade, e os diálogos são instigantes, sem artificialismos comuns quando se tratam de temáticas similares. Em tempos como os que vivemos, obra essencial.

O que os homens falam 
(Una pistola en cada mano - 2012)
Diretor: Cesc Gay
Elenco: Ricardo Darín, Luis Tosar, Javier Cámara, Leonor Watling, Eduardo Noriega, Leonardo Sbaraglia, Candela Peña, Eduard Fernández, Alberto San Juan, Cayetana Guillén Cuervo, Jordi Mollà, Clara Segura, Silvia Abril
Nacionalidade: Espanha
Duração: 1h35
Cotação: 8/10
Disponível na Amazon

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