segunda-feira, 31 de outubro de 2016

“7 Anos”: ótimo filme espanhol produzido pela Netflix discute a miséria humana

Produção original do Netflix, o filme espanhol 7 Anos (Siete Anõs), dirigido por Roger Gual, estreou na última sexta-feira, 28 de outubro, no catálogo do serviço de streaming. E conta uma história que explora os diversos dilemas dos relacionamentos e da própria existência humana tendo como ponto de partida uma situação-limite, na qual os personagens são obrigados a retirar suas máscaras tradicionais.

O filme começa com quatro sócios de uma empresa da área de tecnologia que se descobrem investigados pela Receita Federal espanhola. Como de fato eles cometeram crimes contra o fisco, terão que tomar uma decisão crucial: qual deles deve assumir a culpa, livrando os outros três da prisão e assegurando a sobrevivência de sua companhia? O título do filme se refere ao tempo de cárcere que o responsável irá cumprir.

Para tomar o que julgam ser a decisão mais justa, convocam um mediador. Deste ponto começa a se desenrolar a trama, praticamente toda em um cenário só, a sede da empresa, lembrando filmes inspirados em peças de teatro ou com tom semelhante, como Deus da Carnificina ou mesmo Doze Homens e uma Sentença.

Com o avanço do debate e precisando se chegar a uma conclusão, já que a possível ação do fisco e da polícia se torna iminente, começam a ser revelados os segredos e as verdadeiras aspirações e concepções de cada um dos sócios. São expostos não somente os pontos de vista deles a respeito de seus companheiros como também a forma como enxergam a si mesmos e suas visões de mundo.


O modo como a ação se desenvolve e é conduzida gera sentimentos ambíguos em quem assiste. Muitas vezes o sentimento será de empatia; em outros, o de repulsa, forçando também à reflexão sobre os temas que estão sobrepostos no filme e que são bastante atuais como a questão da prevalência do trabalho na vida cotidiana, que o leva a interferir – de forma muitas vezes desastrosa – no âmbito privado.

É interessante notar ainda que a empresa escolhida para ilustrar uma história ligada, na prática, à miséria humana, seja uma companhia do setor de tecnologia. Com o fenômeno das startups gerando enriquecimento rápido para alguns – criando situações de deslumbramento muito comuns, no Brasil, a alguns jogadores de futebol que vivem trajetórias similares –, surgem novas formas de trabalho e de profissionais mais autossuficientes, por vezes, crentes de que podem “ganhar o jogo sozinhos”. Algo simbólico em tempos de individualismo mais exacerbado.

No elenco, os atores colombianos Juana Acosta e Juan Pablo Raba, que viveu Gustavo Gaviria, o primo de Pablo Escobar, na série Narcos. Um belo filme brindado com ótimas interpretações.



7 Anos (7 Años, 2016)
Direção: Roger Gual
Elenco: Juana Acosta, Alex Brendemühl, Paco León, Juan Pablo Raba e Manuel Morón.
Nacionalidade: espanhola
Duração: 1h17
Cotação: 8/10
Disponível no Netflix

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quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Comédia argentina Delirium traz Ricardo Darín rindo de si mesmo

Você já deve ter escutado, quando se fala em cinema argentino, de diversas piadas sobre a suposta onipresença do ator Ricardo Darín nos filmes do país. No ano passado, o Sensacionalista tocou no tema com a notícia fake "Argentinos pensam em lançar primeiro filme sem Ricardo Darín".

Obviamente, trata-se de um exagero. Mas é fato que boa parte das películas de sucesso dos hermanos tem como protagonista o ator de filmes como O Segredo de Seus Olhos e O Filho da Noiva. Tendo como base isso, mas não só, o diretor Carlos Kaimakamian Carrau fez em seu filme Delirium uma comédia interessante, com diversos subtextos que satirizam o próprio cinema (ou "novo" cinema) do país.

A trama se desenvolve a partir da relação de três amigos, Federico, que trabalha em um pequena loja de conveniências; Martín, que vive de pequenos golpes, e Mariano, que distribui panfletos na rua. Cansados da vida que levam, começam a pesquisar uma forma de ganhar dinheiro fácil, chegando à conclusão de que o mais fácil seria fazer um filme para se tornarem milionário. O ator para fazer com que a película alcançasse sucesso e gerasse renda não poderia ser outro: Darín.


ricardo darin protagonista do filme delirium
Darín, em cena de Delirium (Divulgação)

Esse é o ponto de partida da típica comédia de erros onde a trajetória caótica vai gerando situações cada vez mais absurdas, com pouco compromisso com a verossimilhança. Em meio à história, uma crítica à própria indústria do cinema, em especial o argentino, com piadas que muitas vezes têm mais relação com o cotidiano do país vizinho. Um exemplo é a sequência que se passa no Innca (Instituto Nacional del Nuevo Cine Argentino), onde o alvo é o mecanismo de financiamento de produção de filmes na Argentina. Talvez não seja exatamente um problema só portenho...

A "sociedade de espetáculo" também é satirizada e, de certa forma, protagonista da história, já que também conduz o enredo, contando com a participação de outras figuras célebres como a apresentadora Susana Giménez, no papel de presidenta argentina, e do ator Diego Torres, entre inúmeros outros.

Um filme original e divertido, mas que não vai fazer você dar gargalhadas, certamente. Até porque é uma comédia que usa do humor sombrio para rir de si mesma, aspecto destacado no papel de Darín, que faz de si um personagem que, em certa medida, corresponde aos esteriótipos vendidos a respeito dos astros do cinema. Vale a pena ver.



Delirium (2014)
Diretor: Carlos Kaimakamian Carrau
Elenco: Ricardo Darín, Miguel Dileme, Ramiro Archain e Emiliano Carrazzone
Nacionalidade: Argentina
Duração: 1h25
Cotação: 6/10
Disponível no Netflix.